quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Inércia

O ar é duro, quente, impiedoso. Penetra e aloja-se fundo no espírito, fazendo pesar os pulmões.
Os passos endurecem, pesam, tornam-se intransponíveis. O chicote soa alto a lembrar a obrigação de continuar em frente.
O grito é alimentado a cada gota, a cada vislumbre de suspiro. A ânsia, a dor, a revolta, clamam por liberdade, mas o grito pára. Chega até os pulmões e pára. Torna-se sopro frio que apenas iludi a boca.
Soam altos os comandos do carrasco. O passo segue modorrento, nodoso. E o coração sofre horrores tão agudos que permanece quieto, com medo de que qualquer movimento possa intensificar seu suplício.
Os braços permanecem amarrados junto ao corpo. E queimam, queimam... Ardem de desejo ao menor movimento, que rapidamente é reprimido pela ausência de prazer.
O suor, redentor, escorre pelo peito. Cada gota é um júbilo, pois apenas elas se criam em meio à dor.
A marcha segue... parada, estéril. E a consciência do infinito é a mordaça amarga daqueles que se conformam.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Franqueza apocalíptica

E, no final das contas, o meio ambiente só aparece nesse tipo de contexto: tema de concurso de poesia, redação de vestibular, congresso mundial... E tudo sempre acaba no ponto final, sem esperança de sair do papel. E como se gasta papel com esse assunto, e nem é papel reciclável!
Estranho como a Natureza é sempre uma coisa à parte, a ser protegida, a ser eliminada, inclusa, globalizada, tombada, consagrada, nossa! Por que não apenas integrada? Porque, se é de poeta, é bucólico; se é dos anos 70, é hippie; se é de jovem rico, é ONG; se é de aluno da rede pública, é trabalho complementar; nunca é do Homem, sobrevivência. As frases de engajamento ecológico não deveriam ser “Salve as baleias!”, ou “Salve o planeta!”, deveriam ser “Salve a si mesmo!”. Afinal, eu sou tão Natureza quanto aquela árvore, não sou?!
Com o passar do tempo, das revoluções industriais, das investidas militares, fomos perdendo nossa capacidade Natural. Tão preocupados em inventar máquinas, e estudar fenômenos, e desvendar mistérios, que fomos perdendo o que nasceu conosco: o instinto, a auto-preservação, aquilo que os animais, as plantas, as pedras mantêm e sofrem, pois se criou um mundo em que isso não cabe mais.
O mundo tornou-se um lugar hostil, hostil à vida. E, se há algo absolutamente implacável, é a vida. A ignorância não será perdoada, o suicídio será punido, nada será justificado, nada terá valido a pena, independente do tamanho da minha alma, afinal, não haverá mais onde abrigá-la. Seria tão mais fácil se a humanidade se reintegrasse à vida, se reencontrasse com a Natureza de que ela surgiu!
Mas como esperar isso de uma raça que mata os seus por diversão, por descaso. Perdoem-me a franqueza apocalíptica, mas parece demais pra eles... Quer dizer, pra gente.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

O egoísmo

Ontem, me deparei com meu egoísmo. Era uma lâmina fina, fria, encostada a minha boca. Rasgava-me entre os dentes e o sangue jorrava quente e impetuoso. Manchava os que estavam a minha volta, envenenando-os contra mim.
O tempo estava bom, ontem. O azul era pleno e estável, o frio imperava imbuído de verdade. E a verdade rasgou-me em egoísmo e arrogância. Assumi-os, não havia escolha. Mas minha pena não foi aliviada pela confissão.
A luz brilhava forte diante de mim, ontem. Expunha impiedosamente a escuridão. Não houve esconderijo, nem honra, nem justificativa. Fiquei nua, com um cigarro, a chorar na esquina. Tremendo ao medo da redenção.
Tive amigos, ontem. E eles não me odiavam, mas... por quanto tempo? Não sabia... e talvez nunca soubesse.
Imunda, nua, fumando, apertei a lâmina. Meus ossos vacilaram pela violência. Fechei a boca. E agora, espero apenas que o sangue não vaze mais em quem eu amo.

domingo, 23 de maio de 2010

Vislumbres da noite

O sono não vinha. Que inferno! Será a música? Vou desligar. Mas o sono não vinha.
O silêncio permitiu então, a concentração no problema. Permitiu que se descobrisse por que não dormia. Todos dizem suas verdades com tanta convicção, com tanta fé, mas uma sempre contradiz a outra. Só podem estar todos errados... Mas e então, o que será de fato verdade? Será que há mesmo uma verdade?! Ou só estamos aqui, condenados e sozinhos?
A angústia crescia. Meu Deus, eu preciso dormir! E o calor, o suor, o medo só aumentavam. E se eu ligasse pra Li? Ela está tão longe de tudo isso... E eu não sinto inveja dela. Por quê... ? Mas já eram três da manhã, não poderia ligar. Um cigarro! Um cigarro e eu durmo.
À janela, o cigarro foi aceso. A escuridão, as estrelas, a fumaça trouxeram um pouco de alívio. Falso, passageiro, mas uma trégua naquele momento. Pensava em Lídia, queria estar abraçado a ela, nu, sentindo a temperatura dela aquecendo seu corpo. Tirou a camisa. A brisa veio forte e gentil. Fechou os olhos... e implorou que o vento o levasse de volta para casa. Seja lá onde fosse, que o levasse.
E o vento, bondoso com seu filho, soprou mais forte, puxando as lágrimas para fora, o medo, a pena de si mesmo, a consciência de que aquela angústia era sagrada e justa.
Quando abriu os olhos, o cigarro havia apagado. Ficou ainda parado à janela, sentindo o infinito, sendo grato por não poder dormir e por Lídia estar dormindo. Sem perceber, sorriu tristemente, mas satisfeito.
O coração estava agora calmo, conformado e calmo. Agradeceu e fechou a janela. Ainda em pé, na penumbra, respirou fundo, como para tomar coragem. Deitou-se. Pensou ainda um pouco mais em Lídia e adormeceu.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Vislumbre da madrugada


Um lago calmo, plácido; numa ponte rústica, cheirando a mar; um nevoeiro forte, gentil, umidade imperativa. Meu corpo doía, a cabeça rodava e, de repente, ele soltou da minha mão. Correu, pulou, mergulhou fundo e decidido. Não pude me mover, deitei e assisti. E quando achei que não voltaria mais, os pulmões se encheram de água e, como um profissional, ele filtrou tudo e continuou. Colheu do lado o mais lindo coral que já vi. Azul, brilhante, raro. Aquele que eu busquei por tanto tempo.
Voltou, alegre, imponente, em pé. E a multidão o cercou. De longe, minhas unhas ficaram afiadas. Cravei-as fundo em meu peito, puxando até as costelas; cravei-as fundo em minha barriga, rasgando até as costas; debaixo da blusa, pois por fora, dormia. Sorrindo e sangrando, me aproximei. Como a multidão, apertei-lhe a mão, mas não o olhava nos olhos; bati-lhe nas costas, mas não... o olhava nos olhos.
O Sol se pôs, o nevoeiro amainou. Pegou-me de novo a mão. Mas já não era mais ele. Era algo de fora. Apertou-me a mão, olhou-me nos olhos e insuportavelmente suja, o vi como um igual.

sábado, 27 de março de 2010

“Que que vem, né, gente!”

Minha primeira intenção com esse “post” era alfinetar esse aproveitamento da memória do Renato. De dez em dez anos, lançam material “novo” da Legião! É muito engraçado... meio triste até, um pouco revoltante. Mas... é isso, Legião é uma banda e bandas vivem de mídia. Então, basta aos verdadeiros fãs revoltarem-se ou aproveitarem-se dos materiais “novos”.
Pode parecer fanatismo e, confesso, talvez fosse no começo. Mas hoje, mais crescidinha, sei e afirmo: a Legião é mais do que uma banda para mim, o Renato é mais do que um cantor, mais do que um poeta... Posso dizer que suas letras já salvaram a minha vida em muitos sentidos. Durante muitos anos, suas letras eram tudo o que eu tinha. Claro que não era tão dramático assim, mas para mim era e foi a lembrança que ficou.
As palavras até me falham quando o assunto é Renato. Chamá-lo de Renato apenas, parece uma intimidade besta, né!? Mas só quem compartilha desse amor pode entender. É tão profundo, tão intenso, que quando falam dele parece que estão falando de mim. Não é pretensão, não, mas ele está tão cravado em mim que... Difícil explicar...
Fica a memória, então, que é tudo que nos resta. Tristeza? Sempre... Mas não toda hora. Geralmente é só nostalgia mesmo, saudade do que nunca tive, do que nunca vivi, mas que sinto sempre, a cada momento da vida. Seja ele um momento “Que País é Esse”, “V”, ou até mesmo “Tempestade”. Ele foi, sempre será meu salvador, aquele que não me deixa esquecer de quem eu sou. Estou com suas letras sempre, mas me lembro dele “em dias assim... em dias de chuva, em dias de Sol... Do resto, não sei dizer.”

quinta-feira, 18 de março de 2010

Subida

Frio claro e distante. Vento forte e gentil. O ar tem aromas doces e gelados. O sol é constante e calmo. Além dos pássaros e das árvores, só há silêncio. E as pedrinhas que meu coturno revolve pelo caminho, barulho gostoso de pó arranhado.
Os passos seguem um ritmo harmonioso que estranhamente não acompanham meu cansaço. Que eu não sinto, mas que está lá.
O vento bagunça meus cabelos e de repente percebo que não sou apenas pés, coturno e pedrinhas. Olho em volta. A montanha está a minha frente. Baixa, alegre, calma, intransponível até que se chegue lá. E está perto agora.
Olho para cima. Não há uma nuvem sequer. O azul do céu carrega o peso aterrador da paz, da plenitude.
Continuo. Já sem saber por quê.

Conforme meus braços e pés sobem, o céu se aproxima e meu estômago se contrai. Por que será?
O sol que iluminava meus ombros torna-se cada vez mais ameno, e percebo que a tarde vem. Logo escurecerá, mas meus pés e minhas costas não cogitam parar.
Sou mãos, pés e costas agora. Cabelo às vezes quando o vento vem de trás. Só percebo o que dói ou incomoda.
Uma gota de suor escorre. Lembro-me então de olhar para cima. O pico está próximo. E o que era até agora letargia torna-se uma fina e delicada expectativa.
Última mão. Último pé. E finalmente; os olhos, o nariz, a pele, o coração. Sinto cada batida contraindo o resto do corpo. Que sou eu agora. Todo ele.

A vista se alarga até o infinito. O que não pode ser visto é sugerido. Crio pulmões e lágrimas.
Da beirada, vê-se a vida. E transformo-me toda em vontade de pular. Correr e pular. Não sou cair ou voar, sou só me jogar.
E tudo que me resta é estar ali.